Análise do filme “Silence”


Semana Santa: silêncio, quando a intransigência religiosa bate a porta

O Filme “Silence”, de Martin Scorsese, estreou nas salas dos cinemas, próximo à semana santa de 2017. Nele, observamos vários movimentos para diferentes interpretações. Um filme que incomoda e faz pensar. Geralmente às vésperas de semanas santas, a cinematografia lança no Brasil algum filme sobre a vida de Jesus Cristo. Geralmente, são filmes caricaturados e cheios de clichês. Se não for diretamente de Jesus, é de algum personagem da Bíblia. Desta vez, o filme para meditar a semana santa vem de forma diferenciada, diz respeito a uma história real baseada no martírio de missionários católicos (39 sacerdotes) e 166 cristão leigos na maioria japoneses, torturados e mortos nas regiões de Nagasáki e Tóquio, entre os anos de 1617 e 1632. O Papa Pio IX beatificou estes mártires em 7 de julho de 1867 em uma celebração nominada “205 Beatos Mártires do Japão”.

No filme, um padre desaparece do cenário e a Igreja desconhece seu paradeiro. Relatos dizem que ele negou a fé em Cristo e tornou-se um Budista. Numa época em que muitos padres foram torturados e assassinados por ordem do sistema governamental regente naquele país. De imediato, por que o cristianismo trazia ameaças nas crenças culturais já vividas, mas que no desenrolar do filme observam-se outros fatores, como o medo de que a ação dos missionários Católicos estivesse diretamente associada com a invasão européia no Japão, tendo em vista a grande vocação dos países europeus em invadir territórios, ocupá-los e fazer nações de colônias, como faziam na América Latina e África. Sabemos que um dos instrumentos de ocupação era a imposição religiosa, tendo em vista que a religião é um forte traço cultural de um povo. Desta forma, separei alguns elementos que incomodam o público, ao assistir ao filme:

1. A invasão cultural, onde a Igreja Católica chega falando de um Deus e uma forma de salvação em uma região com uma religiosidade bastante disseminada que é o Budismo. Os missionários Católicos chegam com as regras e forma de ser da cultura europeia. Não se utilizam dos traços culturais da região e trazem uma promessa de salvação e do paraíso;

2. Por ser uma realidade campesina de um Japão, ainda, subdesenvolvido em relação a Europa, sofrida e cheia de diversidades na forma de se organizar socialmente e politicamente, as múltiplas comunidades da região onde o filme retrata o episódio encontram-se fragilizadas e sua população torna-se isca fácil de promessas de salvação da alma. Ali, muitos japoneses se converteram ao cristianismo, mas não se sabe ao certo por quais motivos. Por consciência de escolha, com certeza, não foi. Mas, é provável que tenha sido por necessidade de salvação eterna;

3. O incômodo para os tempos atuais, de ver homens se sacrificando por uma causa religiosa, tanto por parte de Católicos através de seus Padres missionários como pelos praticantes do Budismo, capazes de se enclausurar em seus templos contemplativos;

4. A crença cega em uma salvação e conquista do paraíso;

5. A força do poder político e econômico que usufrui da força religiosa para dominar;

6. O filme dá uma aula de como desenvolver uma tortura física e emocional para se atingir os meios de desvendar segredos. Passa uma clara ideia de que os japoneses no poder não são “bonzinhos”. No fundo, em todas as culturas e nações o maquiavelismo é utilizado, mesmo sendo para vitimar pessoas da mesma nação e etnia, e de outras nações;

7. A questão de não se abrir mão da própria religião por respeito a religião do outro. No caso dos missionários Católicos, muitos deles ingênuos nos seus propósitos, crendo de fato que estavam salvando vidas e com isso convenciam japoneses budistas à conversão ao cristianismo, não sendo aceito pelas autoridades locais, que acreditavam que a religião tradicional daquela cultura pudesse responder a todas as necessidades espirituais de um povo; como também os próprios católicos do continente europeu ousaram invadir um território desconhecido e impuseram uma nova forma de pensar a religião, esta necessidade de expansão que cega.

8. O filme traz elementos da cultura Budista, que para nossa realidade brasileira não é muito perceptível, do atrelamento da religião budista com as forças políticas e econômicas. Assim como no catolicismo, o budismo não é tão puro, pode ser em sua origem, mas na sua transposição da história não conseguiu caminhar livre. Este atrelamento com o poder governamental vigente é um elemento que vamos encontrar em todas as grandes religiões do planeta. Espiritualidades bem-intencionadas e divinas para praticantes humanos.

O filme vai revelando o confronto de intransigências dos que eram capazes de morrer para não abdicar da prática religiosa, como daqueles que abdicaram da fé original para se usufruírem da possibilidade de continuar vivos. Assim o faziam por terem passado por toda forma de tortura física e emocional. Coloca-nos questionamentos éticos e de fidelidade à escolhas. E, também, a dúvida. Negaram a religião ou não?

Fazendo uma analogia com a Semana Santa, podemos observar o quanto a história em torno da pessoa de Jesus Cristo gerou multidões de adeptos. E, como

a religião em torno de Cristo consegue converter pessoas pelos quatro cantos da terra mesmo em culturas quase sedimentadas em suas formas de viver a religião de origem. Outra analogia que podemos fazer em torno da Semana Santa é com os processos de tortura que os japoneses utilizavam, usufruindo da crucificação como instrumento com objetivo de desqualificar a própria paixão de Cristo. Quanto mais missionários eram torturados, mais japoneses se convertiam ao cristianismo. O martírio como elemento de crescimento da religião. É por isso que os Fariseus e Romanos na época em que Cristo foi morto tentaram guardar o túmulo de Cristo para que ninguém o roubasse e depois transformasse aquele fato em um mito. O corpo de Cristo desapareceu e virou uma religião forte em todo o mundo, tendo a Igreja Católica como protagonista e depois as múltiplas outras igrejas dissidentes, principalmente a partir de Lutero.

Assim como no filme, a pergunta continua até hoje: – “As pessoas se convertem por convicção de terem entendido o objeto de sua fé e o que esta fé significa para a vida pessoal, ou se convertem por necessidades pessoais de salvação ou pressão social?”.

Na Semana Santa vamos observar o mesmo movimento, multidões se encontram nas celebrações das paróquias espalhadas por todo o Brasil, tendo maior contingente na sexta feira da paixão, em torno da dor, da cruz e do enterro de Cristo. Mas por uma escolha livre e de consciência? Por estarem revivendo a vida e morte Daquele que teve uma proposta de vida onde a premissa é o amor, ou por causa das promessas de salvação?

Enfim, um filme para ser visto, e que muito ajudará a pensar a fé na principal semana religiosa do catolicismo brasileiro, principalmente dos que são Católicos. Outras conclusões podem tirar a partir da possibilidade de assistirem ao filme. Vale a pena, uma super-produção que valeu a indicação ao Oscar de melhor fotografia em 2016.


*Gerson Abarca é Psicólogo psicoterapeuta graduado pela UNESP/SP – 1990. Escritor pela Ed. Paulus. Atua na cidade de Vitória em psicoterapia de base psicanalítica para crianças adolescentes e adultos. Mentor do site: abarcapsicologo.com.br. Mais informações no telefone (27) 99992-0428 e no endereço: Rua Eugênio Neto, 488 – Ed. Praia Office – Sala 1001, Praia do Canto ( Ao lado da Igreja Sta Rita).

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One thought on “Análise do filme “Silence”

  1. Lorene says:

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