Mainha prevê o futuro

Pescaria na Praia de Ondina-Bahia 

Participando de um encontro anual de fiscalização pelo Conselho Regional de Farmácia neste aprazível bairro baiano, da janela de meu quarto situado no Hotel Othon, dava para ver umas pedras localizadas ao longo da praia, um mar maravilhoso em que ondas limpas e cristalinas batiam incessantemente com aquele barulho característico do mar tentando tomar seu espaço. Olhando agora com ar de pescador senti a possibilidade de na hora vaga do evento, descer até aquele local e tentar dar uma linhada, para isto como sempre me preparei e indo até a recepção conversei sobre a possibilidade de ter no próprio hotel algum material para esta que seria uma limpeza no stress do trabalho. Realmente estes hoteis atuais tem tudo que você precisa, até o camarão para o meu lazer eles tinham. Nem esperei muito tempo, deu a hora do almoço, tinha duas horas de colher de chá, desci as escadinhas que levavam ao lugar, mas uma surpresa me esperava. Na parte de baixo do hotel, tinha um barraco esquisito com uma série de cabanas de madeira com telhado de sapê. Fui passar por ali, que não tinha outro jeito, quando sou chamado por um dito cujo de um crioulo de uns dois metros de altura, mais forte que um touro que em voz cavernosa falou que ali era proibido passar. Na hora, é logico, tentei até encarar o dito mas chegando mais perto, nem com todo minha especialidade em lutas marciais e outras, não tinha a menor chance, mas olhando por cima do dito, vi uma placa em que estava escrito “joga-se búzios – terrero de Nhá Chica”. Não perdi tempo, falei que estava passando por alí para ler meu futuro naquela pescaria que pretendia fazer lá embaixo. O crioulo me olhou desconfiado mas me permitiu chegar perto e mandou esperar que ia falar com a mainha. Logo depois me mandou entrar e, ao olhar por dentro, não se tem noção do que é aquele lugar. Uma Baiana toda incrementada me olhou por tras de um aparato no rosto que nem sei identificar e com voz vindo do fundo do poço falou “senta aqui meu fio e que que ocê qué”. Sem nem saber onde começar pedi para saber como seria minha pescaria. A Véia me olhou bem fundo e acostumada nas artes divinatórias das religiões africanas, com a diáspora própria jogou um conjunto de 16 búzios sobre uma mesa toda incrementada e com uma reza como se tivesse falando com os espíritos me olhou no fundo do olho e como uma adivinha ajudada por todos Orixás perguntava com voz gutural e uma resposta também cavernosa se fazia ouvir e já com a resposta pronta falou ” Meu fio cê vai pegar um peixão, tenho dito. Cuidado com a segunda onda, pode te carregar”. Mais não falou e se prostou sobre a mesa. Senti que era hora de me retirar e na saída o Negão de dois metros tava com a mão em concha, senti o drama e ví que não dava para depois, tirei o que tinha, ainda bem que era pouco, e com um sorriso amarelo, agradeci e me mandei para as pedras que me chamavam para a pesca. Quase que escorreguei na subida, mas me encaichanhando num suporte que dava a impressão que estava tudo no lugar, me preparei e joguei naquela água límpida a isca num anzol de primeira. Olhei as horas e ainda tinha uns quarenta minutos para desestressar. Enquanto estava pensando em me ajeitar a vara embodoca e sinto aquele calafrio correr pela epinha. Era um peixão. Aquilo me deixou maravilhado e pensei que os búzios tinham dito a verdade e comecei a trabalhar na tentativa de puxar o monstro. A vara entortava, rangia e como era uma vara de bambu sem molinete e simplesmente sem linha para maneirar, tive muito trabalho. Aquilo me deixou com adrenalina a mil e vendo que seria difícil do lugar que estava puxar o dito, resolvi descer um pouco me equilibrando naquelas pedras, algumas escorregadias. Quando me lembrei do que a Mainha tinha falado foi tarde demais, a primeira onda me molhou mas a segunda me fez perder o equilíbrio, mas macaco velho em pesca de pedra, com a mão livre me agarrei forte numa saliência e tentando me ajeitar deixei a onda voltar, com um pouco de dificuldade e todo molhado mais ainda segurando a vara, consegui a duras penas puxar o peixe e pouco a pouco fui subindo com aquele exemplar enorme se balançado. Nem sei como a vara não quebrou mas com calma para não escorregar e ser levado, subi e consegui chegar em terra firme e com o peixão sendo agora arrastado, pude pegar o bicho e segurando pelas suas guelrras sentir o peso. Era um Dentão enorme e no mínimo uns 8 quilos. Resolvi parar por ali, mas tinha que passar novamente pela cabana para subir pro hotel. Não tive dúvida, ao ser interpelado de novo pelo Negão com a maior tranquilidade dei aquele belo exemplar para Mainha e agradeçendo a verdade dos búzios voltei ao hotel, tomei aquele banho e voltei ao trabalho. Aí que caiu a ficha, mais uma vez tinha esquecido de tirar a tal da foto, ainda pensei em voltar, mas por vias das dúvidas preferi ficar onde estava. Do pescador de búzios digo de Dentão, Deomar Bittencourt.

Sobre o autor:

Dr. Deomar Bittencourt, atuou como professor de Parasitologia na FAFABES por trinta anos. Atualmente, se dedica às análises técnica e laboratorial no laboratório que leva o seu nome e é referência na Grande Vitória.

 

 

 

 

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