A autoestima pode interferir na tomada de decisão?

Psicanalista Werkson Azeredo (Foto: Katia Santos)

Entrevista com o Psicanalista Werkson Azeredo

A empresa Dove realizou uma pesquisa que mostrou que há grande impacto, com a utilização de filtros para o rosto das pessoas dentro das redes sociais, em relação à autoestima de usuários. O estudo foi feito em dezembro de 2020, onde entrevistou mais de 1500 mulheres entre 10 e 55 anos nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil. E, profissionais da área do comportamento humano relatam que uma das questões que mais impactam negativamente na vida de pessoas é o próprio comportamento, onde algumas deixam de tomar decisões e outras agem de forma que não deveria, por conta da baixa autoestima, que interfere diretamente na psique de cada um na tomada de decisão. Considerando a palavra autoaceitação, teria ela uma relação com a autoestima? Indo mais a fundo, é preciso se autoconhecer para ter boa autoestima e autoaceitação? A autoestima está relacionada com a autoaceitação e o autoconhecimento?

O jornal EAMB entrevistou o psicanalista Werkson Azeredo para falar sobre este assunto, que tem sido bastante abordado em consultórios e na internet, principalmente, em tempos de muita exposição nas mídias sociais. Confira a entrevista completa:

EAMB: Você acredita que autoestima, autoaceitação e autoconhecimento são características que andam juntas?

Acredito, porém, antes de responder o porquê eu gostaria propor outra pergunta, o que é a autoestima? Todas as nossas relações são mediadas pelos sentimentos que nos habitam internamente e a autoestima é um deles, habita a morada do nosso inconsciente. Dito isso, podemos dizer que a autoestima é o gostar de si de forma integral. A autoestima verdadeira existe quando a pessoa é capaz de reconhecer suas virtudes, valores e qualidades e, ao mesmo tempo, reconhecer, aceitar e tolerar os defeitos, falhas e limitações, ou as características que não se admira em sua personalidade. Ela não se auto desvaloriza, pois reconhece as virtudes – “Sei o quanto sou bom” – e nem se supervaloriza, pois reconhece seus limites e abdica ideias de perfeição – “sei o quanto sou falho”. Podemos afirmar que tem a medida correta de si mesmo, isso é o que chamamos de amor próprio.

Agora fica fácil. Compreendo que caminham juntas (autoestima, autoaceitação e autoconhecimento). Se a autoestima é gostar de si na totalidade, ela só poderá crescer e gerar frutos, tendo como base a autoaceitação. Sem aceitação o foco pode ser direcionado ou para as virtudes, ou para as falhas. A autoestima pode gerar indivíduos com supervalorização, que acreditam serem perfeitos, com um narcisismo patológico, já a autoaceitação pode gerar sujeitos como autodesvalorização, que acreditam serem desprezíveis. Ambos os casos, são prejudiciais para as relações pessoais, amorosas e familiares. O autoconhecimento também é fundamental para o aprimoramento da autoestima. Precisamos saber quem somos, do contrário teremos uma visão distorcida sobre nós e ficaremos expostos a opiniões externas, reféns e escravos da aprovação de terceiros e de maneira triste perdendo a identidade, aquilo que nos faz únicos no mundo. A autoestima é gostar de si na totalidade. Você sabe quem você é? Quanto mais souber e reconhecer, mais poderá aceitar.

EAMB: O que pode provocar a baixa autoestima em uma pessoa e o que pode acarretar com tal característica?

Werkson Azeredo: A autoestima é um sentimento inconsciente que não nasce com o sujeito. Essa capacidade de gostar de si de forma integral é desenvolvida e irá influenciar nossas relações ao longo da vida. Freud afirma que à medida que uma criança passa de maneira saudável pelas fases do seu desenvolvimento, se torna um adulto confiante de si mesmo. Já a baixa autoestima é uma distorção da imagem que o sujeito tem de si, uma miopia emocional. Surge uma pergunta, onde e quando é formada essa imagem de si? Se imaginarmos a autoestima como uma casa, a base dessa moradia é a relação do bebê como sua mãe. Compreenda mãe como aquele que cuida, como os psicanalistas preferem dizer, é a pessoa que exerce a função materna, que é de nutrir física e emocionalmente. Nesse vínculo, a aceitação e o amor próprio começam a surgir. Posteriormente, o pai, familiares, amigos, professores, também irão influenciar na medida que se tem de si mesmo. Durante a vida essa simbólica moradia emocional será posta à prova. As frustrações irão abalar a estrutura? Algumas pessoas quando estão com graves problemas e dizem que: “tudo parece que está desmoronando…” Quando isso acontece será preciso resiliência, termo emprestado da física que significa: a capacidade de voltar ao estado anterior após um impacto, ou deformação. Eu acredito que resiliência e a autoestima caminham juntas, após um impacto para se soerguer. Para realizar os devidos reparos será preciso força interior, diga-se: autoestima.

A autoestima baixa pode acarretar inúmeros prejuízos com a vida de uma pessoa, influenciando sua relação consigo e com os demais, tendo impactos negativos nos seus vínculos amorosos, familiares e profissionais. Tudo se inicia com a falta de aceitação e se além disso existirem ideais elevados há o cenário perfeito para o desenvolvimento de um sentimento de autodesvalorização, a pessoa passa a se depreciar: “sou insignificante”, “sou burro”, “nada que faço presta”. Isso começa provocar comparações excessivas, Isolamento, pois a pessoa acredita que todos a sua volta a veem da mesma forma, ela projeta esses pensamentos negativos na mente dos demais, ou seja, tem uma visão distorcida de si e dos outros. Outra consequência é necessidade compulsiva de agradar, que gera uma falsa sensação de ser aceito e amado e por consequência o sujeito passa a se adaptar as vontades e gostos do outro, isso causa a perda progressiva da identidade, o indivíduo age como um camaleão respondendo aos estímulos do ambiente. Dificuldades de expressar opiniões e tomar decisões, dependência de confirmações externas (como opiniões, likes, curtidas, visualizações como prova do valor pessoal), escolha de relacionamentos tóxicos, onde é prejudicada, explorada e diminuída. Eu poderia citar outros problemas que a autoestima baixa pode acarretar, contudo o mais importante é perceber que tudo se inicia internamente e vai contaminando os vínculos que são sempre mediados pelos sentimentos inconscientes e as crenças que possuímos. Aos pais fica o alerta, uma vez que as crianças também podem ser afetadas pela alteração na autoestima, apresentando dificuldades na aprendizagem, visto que essa visão distorcida de si a leva a se verem incapazes de realizar os desafios apresentados, outra possibilidade é se dedicarem a horas a fio de estudo para compensar a limitação que acreditam possuir.

EAMB: Quais sentimentos essas pessoas podem sentir e transmitir?

Werkson Azeredo: Eu poderia apenas citar sentimentos para responder a essa pergunta, no entanto vou propor uma comparação a fim de exemplificar como é angustiante a situação de uma pessoa com autoestima baixa e como lhe é tirada a liberdade e autonomia. Os olhos são as lentes que capitam as imagens, que posteriormente são construídas por meio de um sofisticado processo no cérebro, onde diferentes áreas se unem para elaborar a representação de um objeto, um rosto etc. Dito isso, a pouco afirmei que na autoestima baixa o sujeito tem uma imagem distorcida de si, a qual chamei de miopia emocional, que ocorre por falta de aceitação e por ideais elevados. Sentimentos de desprezo e incompetência contaminam a mente. Desta forma, temos a realidade externa em conflito com a interna e nesse ponto a autoestima baixa faz sucumbir a beleza, a inteligência, as virtudes de uma pessoa. Uma mulher bonita passa a se considerar feia, um homem inteligente afirma ser burro, uma senhora generosa se acha uma egoísta e oportunista. O que sentem essas pessoas? Sem desprezo por si, sentem insegurança, sente medo de errar, medo de se expressar, medo de se relacionar. Lembra do mecanismo que citei em que o indivíduo faz da mente do outro uma extensão da sua. Os psicanalistas o chamam de projeção, que é uma maneira de se proteger dos próprios pensamentos. Pois bem, essas pessoas podem transmitir a ideia de que são pessoas complicadas, que não gostam de interagir, de conversar, mas tudo não passa da insegurança interior, a visão distorcida de si promove a visão equivocada do outro e uma visão, também, errada que o outro tem de mim. Já afirmava a sabedoria oriental judaica “Assim como se imagina em sua alma, assim você é”.

EAMB: A autoaceitação parte pela melhora da autoestima? Tem a ver uma coisa com a outra?

Existe uma conexão entre a autoestima e a autoaceitação. A autoestima se apresenta por uma visão realista de quem se é, isso só pode acontecer no terreno da autoaceitação. Se o leitor, ou ouvinte dessa matéria deseja desenvolver sua autoestima terá que ter a coragem de encarrar a sua verdade e realidade interior, um confronto que pode ser doloroso no início, mas que culmina em um novo olhar sobre quem se é e sobre quem os outros são. Na mitologia grega a visão da Medusa transformava quem a olhasse em pedra, vê-la só era possível por meio do reflexo de um espelho. Muitos vivem desta forma, no que se refere aos seus pensamentos, sentimentos, fantasias, desejos e sonhos, fazem das pessoas a sua volta o espelho sobre o qual lançam a própria imagem, uma forma inconsciente de conseguir lidar com a Medusa que os habita. Recentemente eu conversava com um jovem de 20 anos que me confessou ter medo de psicoterapia e durante a conversa informal expressou sua insegurança e a necessidade de eventos externos para que tivesse algum grau de satisfação consigo mesmo. Eu lhe disse que o medo que ele deveria ter não era o de psicoterapia, mas de viver outros vinte anos habitado por esses sentimentos. Parafraseando Freud, talvez, quando a dor por não estar vivendo for maior que o medo de psicoterapia, ele busque ajuda. O mestre não se cansa de nos ensinar e afirmou que “emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem das piores formas mais tarde”. Onde há aceitação, há autoestima.

EAMB: O que o autoconhecimento pode fazer para quem tem baixa autoestima e falta de autoaceitação?

Excelente pergunta, pois muitos se questionam: “o que eu devo fazer para adquirir autoestima?” A resposta é o autoconhecimento. Esse saber sobre si pode ajudar na aquisição de liberdade e autonomia.

A pouco afirmei que todas as nossas relações são permeadas por sentimentos do nosso mundo interior, ou como os psicanalistas preferem, sentimentos inconscientes. Dito isso, não é difícil imaginar como pode ser a vida, onde prevaleçam sentimentos de desamor, de culpa, de desprezo, de autodesvalorização. O problema é que sentimentos inconscientes não são perceptíveis e o que vemos são suas manifestações. A pessoa passa a ser conduzida por uma correnteza e até luta contra, mas em vão, nem ao menos sabe o nome do que lhe aflige, por vezes essa correnteza parece um tsunami e destrói anos de trabalho duro.

Imagine por um instante uma vida na qual você não é escravo da necessidade de ser aceito, de ser aprovado em que não se tortura para agradar as pessoas, onde não fica refém do que acredita que os outros pesam sobre você. Imaginou? Não é uma fantasia, hoje pode parecer distante, mas é um processo, uma construção.

Desde a antiguidade o autoconhecimento foi posto em relevo, quem nunca ouviu o aforismo “conheça-te a ti mesmo” que se encontrava na entrada do templo do deus Apolo na cidade de Delfos, alguns séculos depois na tradição cristã o conhecimento foi relacionado a liberdade: “conhecereis a verdade e ela vos libertará” uma verdade que não era apenas espiritual, abarcava também o humano. “Cada pessoa é um abismo…” afirmou Freud o pai da Psicanálise o que nos remete a um vazio, como a uma profundidade, ou seja, um mundo interior em cada pessoa a ser explorado.

EAMB: Autoestima, autoaceitação e autoconhecimento são características que se correspondem, fale sobre o assunto.

Não acreditam que apresentem uma similitude, mas uma complementariedade, são peças de um mesmo quebra-cabeças. Explico: iremos apresentar autoestima, quando desenvolvermos a capacidade de aceitação e o autoconhecimento amplia essa habilidade.

EAMB: Existe algum gatilho que faça com que tenhamos baixa autoestima e que percamos a autoaceitação?

A princípio somos levados a crer que a autoestima, fique oscilando, ora apresenta-se como baixa autoestima, ora como alta autoestima e que o correto é ter uma alta autoestima. Contudo, todas as vezes que inserimos os adjetivos com a intenção de qualificar a autoestima estamos dizendo sem perceber que ela está alterada, fora do equilíbrio. A ideia é que o indivíduo possa se amar na medida correta, tenho uma visão realista de si, saiba considerar pontos fortes e fracos em sua personalidade. Fora deste contexto vida parece uma montanha russa, onde um dia o sujeito se sente no auge, no topo do mundo, noutro pra baixo no fundo do poço. Nesse estilo de vida, sim, podem existir, diversos gatilhos externos e internos que corroborem para impulsionar, ou esmorecer a “autoestima”. Inseri as aspas para lhes dizer que onde houver oscilações, não há uma verdadeira autoestima. Imaginem a autoestima como um reservatório, essa reserva lhe permite ter segurança para enfrentar os momentos de escassez que cedo, ou tarde virão. A que medida em que avançar em autoconhecimento, poderá conter e aceitar mais sobre si, logo mais mudanças poderão acontecer e por conseguinte ampliar reservatório de autoestima.

EAMB: Como é possível ressignificar para melhorar essas questões?

É possível que você já tenha tido a impressão de que sua vida estagnou, ou que viva em círculos, contudo é possível ressignificar alterando a maneira como se vê, adquirindo uma visão correta sobre si, tratando a miopia emocional. Essa elaboração requer esforço. Cada pessoa com seu jeito de ser é única, o que implica numa forma única de atuação no mundo, porém existem ações que estão ao alcance de todos nós: adquira o hábito de avaliar suas ações, de refletir sobres seus feitos. Pode acontecer que não se veja como gostaria e está tudo bem, o reconhecimento é porta para transformação; verifique os pontos positivos e negativos; busque ajuda profissional, o temido ambiente de terapia e análise será o seu espaço, onde você poderá falar livremente sobre o que sente, sem julgamentos, por meio de uma escuta imparcial, pois o profissional é capaz de lidar com o que lhe incomoda e por consequência é criado um ambiente de aceitação. Lembre-se, somos apenas pessoas e essa condição nos impõem limitações.

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