Posso descontar as férias antecipadas das verbas rescisórias do empregado?

Estamos vivenciando uma crise de saúde pública mundial, que acredito, nunca termos enfrentado nos últimos 100 anos. A bem da verdade é que, a pandemia do COVID 19 (coronavírus) colocou os holofotes nas relações de trabalho, trazendo um debate sobre a sua importância na sociedade, e que vai muito além do binômio empregado e empregador.

Em face disso, surgiu a necessidade de flexibilização de algumas normas trabalhistas, a fim de preservar os empregos, e que vem sendo normatizadas mediante medidas provisórias.

A Medida Provisória 927/2020 criou medidas excepcionais, com o condão principal de preservação do emprego e da renda (caput do art. 1º da MP 927/20), durante o período de enfrentamento do estado de calamidade pública instaurado pelo Decreto Legislativo nº 6/2020.

Principais disposições da MP 927/20:

Em breve síntese, as principais disposições constantes na Medida Provisória 927/20 e que podem ser instrumentalizadas mediante acordo individual são:

  1. o teletrabalho;
  2. a antecipação de férias individuais;
  3. a concessão de férias coletivas;
  4. o aproveitamento e a antecipação de feriados;
  5. o banco de horas;
  6. a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;
  7. o diferimento do recolhimento do fundo de garantia do tempo de serviço.

Ocorre que, a MP 927/2020  é omissa no que concerne à possibilidade de desconto da antecipação de férias nas verbas rescisórias, o que mais uma vez, coloca as relações de trabalho em um cenário de imprecisão e vulnerabilidade.

As flexibilizações contidas na medida provisória, em especial no que se refere à antecipação das férias, que é o objeto deste estudo, vieram como uma solução a fim de cumprir as determinações sanitárias de isolamento social, para evitar as demissões em massa dos trabalhadores.

A crise instaurada pela pandemia do COVID19 é algo muito recente, e ainda demandará tempo para que doutrinas e jurisprudências amadureçam quanto à interpretação e aplicação das medidas provisórias criadas durante esse período.

Ainda assim, segundo o Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho criado pelo site CONJUR, em parceria com a instituição de educação Finted e a startup Datalawyer Insights, fora constatada a distribuição de mais de 23mil ações trabalhistas, sendo que o valor das causas totaliza o montante de R$1,34 bilhões[1], restando claro um aumento considerável das ações trabalhistas ante as inconsistências das previsões contidas nas medidas provisórias.

Noutro giro, é importante destacar que, a jurisprudência trabalhista é consistente no que se refere à impossibilidade de transferir ao empregado os riscos inerentes ao negócio.

Em que pese a redução do desequilíbrio existente entre empregado e empregador em decorrência da estado de calamidade público instaurado pela pandemia do COVID19, há de se ponderar que essa desarmonia não desapareceu, e, portanto, o empregador não deve transmitir os impactos da crise para o empregado.

Logo, diante tudo o que fora evidenciado alhures, depreende-se que as férias, sejam individuais ou coletivas, antecipadas com base na MP 927/20, não devem ser descontadas das verbas rescisórias quando da dispensa arbitrária do trabalhador, vez que, o empregador se utilizou de um benefício propiciado pela norma, e diante do disposto no art. 2º da CLT e da teoria da assunção dos risos do empreendimento, deverá a empresa arcar com esse encargo, não sendo viável deslocar essa responsabilidade para os seus trabalhadores.


[1] DATALAWYER Insigths. Disponível em: < https://www.datalawyer.com.br/dados-covid-19-justica-trabalhista>. Disponível em: 31/05/2020

Mayra Regetz Monteiro, advogada inscrita na OAB/ES 17.596, sócia da ARJUR Advocacia, Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes; Pós Graduanda em Compliance Trabalhista pela IEPREV; Certificação Profissional em Compliance Anticorrupção – CPC-A, pela LEC Board Certification.

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