Gritos silenciosos: quanto pesa o autismo leve!

“Você consegue ouvir esses gritos desesperados vindos de um lugar que todos chamam de silêncio?”

Há algum tempo venho conversando com adultos que foram diagnosticados com a síndrome de Ásperger, mais comumente chamado de “autismo leve”. Muitas mudanças de nomes depois, chegou-se a um denominador comum: TEA – Transtorno do Espectro Autista. Agora, pessoas que são diagnosticadas com TEA são classificadas de acordo com o nível de suporte que necessita para viver e conviver em família, na escola, trabalho e etc. Os níveis são 1, 2 ou 3. Mesmo com a nova definição de autismo, uma coisa não mudou e só tem piorado, que é a famosa frase “nem parece autista, porque é leve, né?”. O que constatei nas conversas com esses adultos que tem TEA nível 1 de suporte é que, por mais incrível que possa parecer, a vida deles não é mais fácil, justamente por não serem reconhecidos como autistas, somente porque não precisam de mais suporte e por conseguirem se comunicar e até sobressaírem em muitas áreas. O que precisamos esclarecer é que se um indivíduo é diagnosticado com TEA nível 1, significa que ele pode ter: distúrbios sensoriais, dificuldades na linguagem social, seletividade alimentar, necessidade de rotina, desregulações diante de situações estressantes, crises reativas, dificuldade para entender os códigos socialmente aceitos, pensar por imagens, não entender figuras de linguagem, não suportar barulhos, dificuldades motoras entre outras características do TEA. Então, queridos leitores, pensem no quão difícil é uma pessoa que ter tudo isso e mais alguma coisa e, por “não parecer”, não é compreendida, aceita, respeitada e ajudada. Quem pediria para alguém de cadeira de rodas descer escadas? Ninguém! Mas, para uma pessoa com TEA nível 1, tudo o que ela não consegue fazer é considerado frescura e/ou invenção de moda, preguiça, má vontade, besteira… Se alguém com autismo leve tiver uma crise, vai ser chamado de louco em 3, 2, 1… Não pode se desregular, isso é “permitido” para autistas moderados e severos. Se tentar explicar suas necessidades é tratado como se quisesse algum privilégio, como se ter os comprometimentos do TEA, principalmente os sensoriais, fosse uma maravilha de bom. Ninguém imagina como tem horas que “tudo dói”. Como é terrível você ter que se trancar em um banheiro do trabalho para se balançar como um pêndulo e mexer as mãos para se regular. E não pode demorar, tem gente batendo na porta. E as ânsias de vômito que aquela comida causa, mas que a tia da cantina insiste em colocar no prato, alegando que é só deixar no canto? O simples fato de “aquilo” ter tocado na comida é suficiente para não querer mais comer, porém, para um autista “leve”, isso é “pura frescura”.

“O que te custa fazer “isso”, vai cair sua mão?”, “Mas, é só atender e dizer “alô”, que chatisse!”, “Tudo isso porque mudamos a mesa de lugar? Que exagero!”, “Não gosta, deixa no canto do prato, que frescura!”. E assim, de julgamento em julgamento, de desrespeito em desrespeito, o autismo “leve” se torna um fardo muito, muito, muito pesado para carregar, não pelas características do Transtorno, mas pelo estereótipo de autista que o senso comum criou e não abre mão.

Proponho aqui um outro olhar para os indivíduos que tem TEA nível 1. Aproveitemos que a grande maioria tem linguagem verbal desenvolvida e vamos tentar entender como as pessoas com esse transtorno pensam, agem, sentem, vivem. Não poderemos jamais dizer que o as sensações de um servem para explicar as reações de outro, mas com certeza as respostas nos darão um norte para entender aqueles que não conseguem se comunicar de forma tão clara. Saber, por exemplo, o que a quebra de rotina causa em um autista pode nos ajudar a manejar melhor as necessárias quebras na rotina de um autista nível 2 ou 3.

Autistas de nível 1 se escondem! Não podem ser vistos como realmente são, pois não querem ter que ouvir julgamentos. Como todos do espectro ele pensa que, uma vez explicada a sua condição, terá suas necessidades respeitadas e quando isso não acontece as crises são certas e os prejuízos emocionais são muito fortes, podendo haver regressões em seu comportamento social. “Dá vontade de se esconder embaixo da terra”, disse uma moça de 25 anos. Uma outra mocinha, de 14 anos, disse que fecha os olhos e imagina que está batendo em tudo o que vê pela frente. Um jovem de 28 anos se fecha no quarto dizendo que vai trabalhar, mas na verdade, levanta o colchão e se deita debaixo dele. O peso lhe dá um alívio absurdo. Um rapaz, de 18 me falou que quando algo o desregula sensorialmente, se tranca no banheiro da empresa e grita o mais alto que consegue, mas sem sair som, pra não correr o risco de ser despedido. Detalhe: todos sabem de sua condição, ele tem o laudo. Essas experiências me fizeram lembrar de uma frase, que aparece no início do filme “O enigma de Kaspar Hauser”:

“Você consegue ouvir esses gritos desesperados vindos de um lugar que todos chamam de silêncio?”

Autistas leves, de tanto se esconderem, de tanto implodirem suas emoções e desregulações, uma hora ou outra vão parar em hospitais com crises de ansiedade, depressão, pânico e tantos outros que são resultados de anos e anos de incompreensão e falta de ajuda correta. Não há nada de leve no autismo e a incompreensão torna a caminhada mais pesada ainda. Que possamos ouvir os gritos silenciosos dessas pessoas que “não parecem autistas”.

Lembre-se: autismo não tem cara e o silêncio pode dizer muita coisa!

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