Quando o casal está em crise

Por Gerson Abarca

Poucos são os casais que diante de um conflito conjugal, o qual pode desencadear a possibilidade de rompimento dos laços, recorrem à ajuda psicológica com objetivo de clarearem os motivos pelos quais a crise chegou, causando ameaça ao vínculo amoroso. 

Ao longo do meu exercício profissional aprimorei a técnica da psicoterapia conjugal através das abordagens da Psicanálise. Neste processo também aproveito parte da teoria sistêmica a partir da técnica italiana Satir e na Psicanálise parto sempre da evolução das pesquisas em Alberto Eiguer  e Isidoro Berenstein. De todos os casos, que chegaram em crise conjugal,  já atendidos por mim, nenhum deles veio a se separar a partir do processo psicoterapêutico. Sei de alguns casos que na sequência do casamento chegaram a separação, após alguns anos depois do processo psicoterapêutico. Provavelmente porque quando surgiu uma nova crise conjugal, não procuraram ajuda novamente. Sabemos que existem casamentos e recasamentos. A terapia conjugal pode ajudar o casal à um novo recasamento, com a mesma pessoa.

A eficácia da psicoterapia conjugal é altíssima devido ao encontro transparente das partes. O casal chega em plena crise, onde não conseguem sair. Cada um no seu próprio mundo e estão entrincheirados com suas pedras e armas próprias, pronto para atacar o cônjuge. Quando este casal chega ao processo psicoterápico, há um equilíbrio nos ataques, em que na condição de psicoterapeuta precisamos gerenciar as falas e intermediar quando houver ataques agressivos. O processo se dá em um contínuo jogo de ataque, contra ataque. Parecido com um debate político na TV, em que há pergunta, resposta, réplica e tréplica. Temos que equilibrar o tempo da fala e mantermos firmes na condução do processo para que haja fala das duas partes em equivalência. 

Neste caminho, o processo passa por uma “tempestade em alto mar”, na primeira etapa, onde geralmente os casais não suportam a psicoterapia e abandonam. É como se o casal estivesse em uma embarcação em alto mar, numa grande tempestade e parece que vai afundar, naufragar. Nesta etapa inicial dá a impressão de que a psicoterapia aguça a crise, mas com um bom manuseio teórico e técnico, o psicólogo pode garantir que o casal vai conseguir passar a fase da tempestade em alto mar. Esta primeira etapa tem a lógica da emergência da crise, é um processo quase que catártico (jogar todas as mazelas para fora).

Depois que a tempestade passou entramos na segunda etapa,  do conhecimento da história do vínculo amoroso, desde o primeiro encontro até o momento presente da crise. As etapas evolutivas de vínculo, o processo de filhos quando há, e os sonhos partilhados. Assim podemos confrontar a primeira etapa do emergir a crise com o ver a história do vínculo. 

Na terceira etapa vamos ver a história da vida pessoal de cada um, os vínculos estabelecidos de cada cônjuge com sua própria família e como que aconteceu e acontece a troca desta história pessoal com a história conjugal. Observa-se as interações familiares, as repetições de culturas perpassadas ao longo da história e que o casal pode estar reproduzindo sem perceber. Sempre brinco que se você quiser chamar para um briga conjugal comece a criticar o pai ou a mãe do cônjuge. A briga surge na certa, pois o pai e a mãe de casa um, podem ser as piores pessoas do mundo, mas são os responsáveis pela existência do indivíduo. Mexer com o pai ou a mãe do outro é invadir depreciadamente o histórico existencial. Por isso, que nesta etapa a psicoterapia começa a linkar fatores da infância que se mesclam com o presente, onde o casal pode elaborar a percepção que precisam construir um referencial próprio e não copiar a história dos pais e ancestrais. 

Na quarta etapa adentramos nos hábitos distorcidos no dia a dia que ofendam um ao outro. Pequenos detalhes, que vai desde a forma de vestir, de falar, até questões de ordem econômicas. Aqui orientamos o casal a pontuar especificamente questões e cenas do cotidiano e levamos o casal a buscar novas preposições, mudanças de atitudes. 

Na etapa final do processo, já percebemos o casal com um resgate amoroso até na forma de falar um com o outro, na forma de levantar uma polêmica. Alguns que chegaram cheios de armas de ataques já nesta etapa se encontram de mãos dadas, com um perfil semelhante ao início do vínculo. Quando o casal já consegue identificar o motivo que os uniu, os sentimentos deste histórico romance  passam a ser vivenciados no presente. Quando o casal renomeia o amor que fez manter o vínculo nesta crise, a ponto de buscarem uma ajuda terapêutica, ai sim podemos proceder com a alta do processo. 

Das psicoterapias que desenvolvo, a de casal, é a que observo mais eficácia em um curto período de tempo. Na minha estatística pessoal um bom processo dura de 20 a 30 sessões contínuas. Mas das psicoterapias existentes, é a menos procurada, pois para enfrenta-la é preciso muita determinação e coragem. 

Hoje a busca pela psicoterapia conjugal vai para além do espectro conjugal heterossexual, nos padrões de casais oficialmente casados. Muitos casais de namorados, noivos, “namoridos”, amasiados e casais homossexuais tem me procurado. E o processo é igual, pois o vínculo amoroso é sempre amoroso independente da forma e perfil de condução que o casal é constituído.

Quando não posso colocar um casal em psicoterapia conjugal? Quando na primeira entrevista diagnóstica observa-se que um dos cônjuges está com algum transtorno emocional grave, que precisa ser tratado e o outro está bem emocionalmente, isto é, sem transtorno específico. Pois se mantermos a psicoterapia conjugal nesta situação, aquele que está melhor emocionalmente acaba massacrando aquele que se encontra em sofrimento emocional e isso pode acentuar o quadro patológico daquele que está em sofrimento, nestes casos, é preciso fazer primeiro o tratamento de quem sofre. 

O que não é bom fazer em uma psicoterapia conjugal? Encontros separados, onde o psicoterapeuta conversa isoladamente com cada um. A experiência nos mostra que desta forma fomentamos um sentimento persecutório no casal e desconfiança de cada um deles com o próprio psicólogo. Uma vez que atendo o casal, sempre o casal. Alerto para isso, pois tenho recebido muitos casais que passaram por técnicas que há momentos individuais com cada cônjuge e que mais colaborou com a crise do que com a busca de um denominador comum. 

Por tudo isso, é sempre bom, antes de um casal pensar em separação, buscar uma ajuda psicoterapêutica conjugal. Se o casamento não vingar, pelo menos saberão fazer uma separação madura, onde o conflito do processo pode ser dissolvido. De fato, também recebo muitos casais que chegam para elaborarem uma separação madura e que seja menos danosa aos filhos, quando há. 

Gerson Abarca é Psicólogo psicoterapeuta graduado pela UNESP/SP – 1990. Escritor pela Ed. Paulus. Atua na cidade de Vitória em psicoterapia de base psicanalítica para crianças adolescentes e adultos – CRP 16-598 – (27) 99992-0428  – 
abarcapsicologo.com.br – 
gersonabarcapsicologo@gmail.com

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